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18 abril, 2007

Amante dos sonhos
Por Fran Pacheco

Meio da madrugada. Dona Lurdinha acordou de repente, ouvindo uma voz abafada vinda do lado:

“Ana Paula...”

Era o marido, seu Egídio, que D. Lurdinha chamava há trinta anos de “Vidinha”. Pois o Vidinha estava falando o que não devia, dormindo, lívido, o barrigão para cima, empapuçado de suor, a boca aberta, arfante, repetindo bem baixinho:

“Ana Paula... Ana Paula...”

D. Lurdinha não entendeu ou não quis entender o mantra que o Vidinha insistia em repetir. Chegou-se mais perto, devagar, pra velha cama não ranger. Queria ter certeza. E ouviu bem mais do que esperava, quando Vidinha arfou bem alto:

“Ahhh... Ana Paula Arósio...”

Era isso mesmo?

Vidinha deu uma resfolegada, a barriga encheu-se de ar e, como que para tirar qualquer dúvida, arrematou no mais explícito êxtase:

“Ana Paula Arósio... aahh... assim eu morro...”

“Aaaaiii!” pensou D. Lurdinha, encolhendo-se para trás, contra o travesseiro, trincando os dentes para não gritar. Logo ele, o Vidinha do seu coração, logo ele, como pôde! como pôde! pai de três filhos, avô de seis netos, antigo congregado mariano, torcedor doente do América, logo ele! baixinho e meio careca, aquela papada pronunciada, aquele xulé devastador – sem falar nas três décadas de traques noturnos que ela, pelo bem do matrimônio, estoicamente suportara. “Não acrediiito!...Sem vergooonha...” E Lurdinha cobriu as orelhas com o travesseiro para não ouvir mais. Logo ele, como pôde! tamanho coroa, aquela cara sebosa cheia de crateras de bexigas, aquela pelugem brotando das narinas feito samambaia e ainda por cima cambota, mas tão cambota que no serviço militar era chamado de “culhões entre parênteses”. Logo ele... D. Lurdinha não conseguia entender. O que a Ana Paula Arósio viu no Vidinha?!

“Filha da puuuta...”, concluiu.

Teve vontade de enxotar o depravado de casa ali mesmo, aquilo era um lar de família, ele que fosse pros braços daquelazinha, só porque aquelazinha era “astista” (sic), só porque era “jovem”, “linda”, “gostosa” e “poderosa” e “etc.”, aqueles “olhos azuis”, aquele “carisma”... Dona Lurdinha nem teve coragem de se comparar com... a outra. Ou melhor, tentou, mas desistiu na hora. Esperou o coração acalmar, a tontura passar e pensou mais claramente: “não... não pode ser... não tem condição... o safado só pode estar sonhando...” E começou a rir aliviada, bem baixinho: “nunca, mas nunquinha que a Ana Paula Arósio ia dar bola pra um batoré desses... ah...ah...ah...” E passou a mão na testa suada do cônjuge desacordado: “sonha, vai sonhando, tigrão, ah... ah...” Pensou indignada no que essa televisão coloca hoje em dia na cabeça das pessoas. Pensou no Reynaldo Gianecchini, que ela achava “muito homem” e, comparando com o flácido ser que jazia ao seu lado, desatou a rir maliciosamente por debaixo do travesseiro.

Resolveu se vingar sonhando com o Gianecchini. E o Vidinha que visse o que é bom pra tosse, quando acordasse no meio da noite com a santa esposa gemendo “Giane... Gianequinho...”

E dormiu, como sempre, senhora absoluta da situação.

Só não consegiu sonhar com nada além de uma receita de bolo de fubá ensinada por um papagaio. Nem falou nada para o Vidinha no café-da-manhã. Vidinha, aliás, seu Egídio, despediu-se e avisou lacônico: “Hoje tem dominó. Chego mais tarde”. D. Lurdinha disse um “vai com Deus” protocolar e pensou: “vai bater na porta da Rede Globo, vai... ah... ah... ah...”

Mas seu Egídio passou bem longe de qualquer estúdio de TV quando saiu do trabalho e seguiu direto para o clube privê “Rosas de Mayo”, onde o ex-frentista Paulo Jorge, aliás, sua Ana Paula Arósio de ébano, já o esperava.