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28 janeiro, 2007

A última do Roniquito (a última mesmo)
Por Fran Pacheco

A barra já estava pesadíssima em 68, o tempo fechando de vez, Márcio Moreira Alves perguntara em plenário: “quando o Exército deixará de ser um valhacouto de torturadores?”. E no olho do furacão, Roniquito, bêbado até dizer chega, abordou o ditador de plantão, General Arthur da Costa e Silva, numa recepção no Museu de Arte Moderna (MAM). Antes, como de praxe, tinha tomado todas e um poquito más, a título de breakfast com um adido americano, a quem estava ciceroneando pelo Rio (Roniquito era, como se diz em português corrente, well-connected).

Pois o Generalíssimo adentrou ruminante, cercado de meganhas descuidados e topou de frente com o enorme queixo do Roniquito, que com um cigarro apagado espetado entre os lábios, segurou o caudilho pelos ombros e tascou, com aquele hálito escocês: “Tem fogo aí, ô mariscal benefactor?”. Os guarda-costas não entenderam muito bem (Costa e Silva, com seu QI de protocordado, não entendeu nada). Por via das dúvidas, agarraram aquela “ameaça subversiva em potencial” e começaram ali mesmo a descer o sarrafo. O adido americano, igualmente cheio do aço, pensou que era um assalto – e com aquela valentia típica de quem não pode mais fazer um quatro, se esparramou por cima dos malfeitores, gritando pastosamente “Que porra é essa? Que porra é essa?!” – em inglês, evidentemente.

Arrastados pra delegacia mais próxima, os pés-inchados começaram a ser interrogados. O americano, caindo em si e obrando-se de medo, tartamudeava sem parar, querendo dar um telefonema, que aquilo era um lamentável mal-entendido, que contactassem a embaixada etc. Como o delegado não entendia patavinas de inglês, teve a péssima idéia de perguntar ao Roniquito “que que teu amigo gringo ta falando?”. E o Roniquito, sério pacas, embalou: “Pois ele tá dizendo que essa polícia daqui é uma grande bosta! Que vocês tão cagando pros direitos humanos! Que a ditadura de vocês é uma ditadura de merda! Que vocês são um bando de fascitas!”. Emputecido, espumando como uma hiena hidrófoba, o delegado esbravejou “pois esse gringo filho-da-puta vai ver o que é bom pra tosse!” e foi preparando o pau-de-arara. Uma guerra Brasil – EUA nunca esteve tão perto de estourar e só não foi deflagrada porque os contatos de Roniquito no Itamaraty entraram naquele momento na sala e resgataram os bebuns. Costa e Silva continuou não entendendo nada.

Roniquito, por sua vez, continuou aprontando. Diante da preleção de um tecnocrata que se gabava da quantidade de vergalhões produzidos naquele ano, arriou as calças, empinou o traseiro e gritou: “Meu amigo, o cu do povo não agüenta mais tanto vergalhão!”. E para uma grã-fina que vinha toda maravilhada do Theatro Municipal, dizendo que a-do-ra-va Maurice Béjart. “Béjart?”, cortou Roniquito, “Pois eu prefiro Foudet!”

Outra: para um casal de desconhecidos, numa mesa próxima, Roniquito começou a olhar fixo, com um sorrisinho meio safado, e fazer o “V” da vitória com a mão. O casal, constrangido, fez o “V” de volta. Como Roniquito não parava de olhar arregalado e insistia em repetir o gesto, veio o marido perguntar: “Já não chega tanto V da vitória?”. E o Roniquito: “V da vitória o caralho... Tô oferecendo duzentinhos pra comer tua mulher.” – só não foi esfolado vivo porque os garçons já estavam experts em salvar a pele do Roniquito na hora H..

Até quem num dia típico (ou seja, completamente de porre), atravessando a rua em slow-motion para molhar o bico no Antonio´s, Roniquito foi atropelado por um Fusca e voou longe. Diz a lenda que no trajeto, virou para os transeuntes e disparou: “Que é, porra? Nunca viram o Super-Homem?”. Meses depois, arrebentado e nas últimas, reclamava que o Antonio´s era muito, mas muito mal projetado: “Se ficasse do outro lado da rua, eu não tinha sido atropelado, pô!” Queria discutir o assunto a sério com um urbanista. “Arquiteto não. Tem que ser com urbanista!”

Roniquito secou a derradeira moringa no dia 24 de janeiro de 83, aos 45 anos – causando comoção entre a fauna da Zona Sul (como já disse, era amazonense, mas cresceu junto com Ipanema). Foi velado de olhos abertos (ninguém conseguiu fechá-los). Virou mito: cada “causo” tem tantas versões, adereços e plug-ins quantos forem os narradores. Tornou-se até patrono de uma cadeira da Academia Brasileira... da Cachaça. “Roniquto era uma época”, resumiu certeiro Hugo Carvana (aliás, aquele bêbado pentelho do filme Bar esperança é puro Roniquito). E o Jaguar, lembrando seu parceiro de libações e membro fundador da Banda de Ipanema: “nunca pensei que fosse sentir tanta saudade de um cara que vivia esculhambando a gente”. A esculhambação, como bem sabemos, continua. Só perdeu completamente a graça.