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20 agosto, 2006

As formigas
Por irmão Paulo

Há uma história que gosto da Lygia Fagundes Telles, de quem não gosto, na qual duas estudantes de medicina, ou coisa que o valha, descobrem, debaixo da cama do quarto que alugaram, uma caixa com os ossos de um anão. Todas as noites, miríades de formigas arranjam os ossos, reconstruindo o esqueleto, e todas as manhãs as estudantes voltam a desarruma-los e guarda-los. Após o espanto inicial, e após descobrirem a força misteriosa que arruma os ossos, as "moças" tomam afeição pelas formigas, pelos ossos e, talvez, pelo trabalho de guarda-los diariamente. Um dia, uma delas dorme demais e quando acorda percebe que na formação do esqueleto só falta o fêmur.

A quadrilha de formigas desbaratada, com trocadilho infame e tudo, pela Polícia Federal é de um tipo de saúva, saúba no dialeto local, transgênica, mais esperta que as formigas da Lygia. Como as do conto, vamos à metáfora, as saúvas descobertas pela PF podem ter sido espalhadas agora, por uma ação pontual e desnorteada, mas se organizarão novamente e montarão novamente o esquema de corrupção que funcionou tão bem. Corrupção que é o verdadeiro esqueleto no armário de nossa democracia.

E tome metáfora! Como a estudante do conto, as instituições encarregadas de fiscalizar e controlar as contas públicas dormiram no ponto e quando a PF, que nem é tão encarregada assim, acordou meio por acaso, o esqueleto – neste caso um gigante - já estava quase completo. Quanto àquelas instituições, ao que parece, mesmo com esse sacolejo da PF, continuam em modorrenta hibernação. Legislativo e Tribunais de Contas permanecem mais preocupados, respectivamente, com a reeleição de seus membros ou com a próxima nomeação de um parente; e todos em encontrar novas formas de obtenção de benesses dos governos.

Olha já, diria o caboclo, a ação policial foi por acaso, foi desnorteada? E por qual razão nada vai mudar? Ora, ora, não ouço estrelas nem perdi o senso, caro leitor. Ocorre que, como na finada e insepulta Operação Albatroz - que atirou na lavanderia de dinheiro do Cordeirinho e acertou na fábrica, os meganhas da PF desconfiaram de algo na área de gêneros alimentícios por causa de uma operação para abater patrulheiros rodoviários. Foi desnorteada porque ninguém parece entender a jurássica dinâmica das compras públicas, ou teriam capturado muito mais insetos (se formiga for insento); sou informado de que os processos de compra sequer foram apreendidos, muito menos periciados e escarafunchados como deveriam ser. NADA VAI MUDAR. As formigas dispersadas e mortas serão substituídas por outras – que já estavam na fila aguardando a vez. Não importa que os governos desmontem os esquemas, porque os esquemas são mais perenes e ultrapassam os governos. Vejam, para dar outro exemplo, o caso da Tumpex em Manaus – que amacia prefeitos desde que por cá chegou, na década retrasada.

Eu e a torcida brasileira nos perguntamos se já não está na hora de investigar diretamente as grandes contratações públicas. Por trás de uma grande licitação há sempre um grande comilão. Ou vários. Dica da velha alma penada aqui: obras de engenharia, fornecimento de medicamentos e limpeza pública, pelos grandes valores envolvidos, certamente são setores fraudados e corrompidos sistematicamente no Brasil, em todas as esferas e Poderes.