Image hosting by Photobucket

25 julho, 2006

Confissões de um eleitor fantasma
Por Fran Pacheco

Então fica combinado assim. Toda vez que faltar assunto vou tirar meu antigo diário do baú. Ou seja, quase sempre, uma vez que estou cadando e angando para o “dia-a-dia dos candidatos” e nem sinal do Arafat aqui em cima para discutirmos quem é o Magoo de Judá que comanda a artilharia de Israel. Tampouco encontrei a reserva do Sharon (mal sinal). Mas quem disse que estou a reclamar? Agradeço a Vargaz – sim, acho que era esse o führreca da ocasião – por ter me livrado há mais de 60 anos de fazer “cobertura política” (embora ainda ache que o DIP tenha usado de força desproporcional). Quanto mais distante essa gente escrota ficar dos meus umbrais, mejor. Ainda mais agora que embarquei numa, digamos, dependência degustatória de certas substâncias “tarja preta” oriundas dos laboratórios Johnny Walker. Mas um dia ainda adquiro a finesse de um irmão Paulo, que há de me explicar que diabos é o tal “halo de evolução discreto” que ele tanto admira ao fitar contre-jour um legítimo tinto terroir. Pra mim isso é coisa de Renato Machadô. Enquanto isso, paciência, vou reciclar na caradura meu stock mofado. Se o menino Millôr, com míseros 80 anos faz isso toda semana, porque eu, que o vi engatinhar no Méier não posso? Mas enquanto hiberno, olho vivo... se algum condestável aprontar alguma por aí, favor me evoquem, que meu espectro puxa a perna do biltre à noitinha. Mas vamos ao que não interessa...


ESTE DIÁRIO PERTENCEU ÀQUELE QUE EM VIDA SE CHAMOU FRAN PACHECO. FAVOR INCINERAR ANTES DE MANUSEAR.


Manáos, 14 de julho de 1894

Confiteor. Mea culpa, mea maxima Culpa. Mas pensando bem... aqui ó, frei zezinho dos inocentes, je ne regrette rien, mas podemos fazer negócio. Indulgência ainda é commodytie? Gostei mesmo foi dessa garrafa de Vin Mariani... 250 mg de coca por litro. Então está explicado. Se até Sua Santidade il Papa Leão XIII (buona gente) faz propaganda... Dizem por aí que aquele intragável xarope de cola americano leva míseros 7mg de coca por litro... Pfui... Mas afinal vamos começar a postar neste diário.

A primeira frase é sempre a mais difícil... “Era uma noite escura e tormentosa”... “Zarita, luz da minha vida, fôgo da minha paixão”... “Me chame de Fran. Pesco baleias e bôtos”.... “Mamãe morreu hoje, acho que vou tomar uma fresca”... “Manáos, merda!”... “Se você quer mesmo saber sôbre a porcaria da minha vida”... “Famílias felizes são tôdas iguais, as penduradas em promissorias é que têm estilo próprio”... “Muitos annos depois, diante do pelotão de fuzilamento, eu, Fran Pacheco haveria de recordar aquela tarde remota em que meu pai me levou para conhecer biblicamente a anã polidáctila.”. “Pelo grito e pelo berro”... Bah, deixo esses intróitos para o verme que primeiro os plagiar.


Manáos, de 26 de outubro de 1899

Preciso organizar melhor meu tempo. Eduardo Ribeiro está cheio de iéias tresloucadas para voltar ao poder e quer meus valiosos palpites em tudo. Folheio os manuscritos do breve relatório do Dr. Euclides da Cunha no front bahiano, com a indicação “prezado Fran, pode reescrever à vontade, mas não demores!”. Deixa comigo, Euclides. Atenção, vou cunhar o termo: neojornalismo. Faço isso em retribuição à calorosa acolhida que a Sra. sua esposa deu-me na Capital Federal, enquanto estavas na Guerra. Já acrescentei umas duzentas páginas de abobrinhas no estilo mais empolado, positivista e sanitarista possível. Coelho Neto e Ruyzinho perdem. Tudo ditado sob o encanto da Fada Verde. Será que vão entender a sutileza da minha, digo, nossa, digo, sua sátira, Euclides?


Recife, 20 de agosto de 1907

Os tremores não passam. A vertigem é intensa. Minhas articulações rangem. O suor é gelado e viscoso. E ainda por cima ácido. Tenho coceiras até no céu da boca. Meus dedos enegrecidos se contraem em posições obscenas. Ao bel prazer. Baratas, milhares, miríades delas, brotam de casulos e inflorescências no teto. E riem, as hediondas canalhinhas! Sem nenhum dente na boca! Um coro mefistofélico: “Merencório! Merencório!” Meu corpo edemaciado é um rebotalho cósmico, aleijão de eras imemoriais, dejeto da Criação. Já devo ter escarrado metade do meu sêr, evacuado dois terços das minhas nauseabundas tripas. Meus olhos estão em vias de afundar no crânio. Temo contemplar os arrebóis pela última vez. Nunca mais misturo rapé de paricá com aquele maldito chá de ayahuasca. Só podia estar passado! Ó Augusto, que cara de satisfação é essa? Pára de tomar nota, rapaz! Toma um fósforo e acende o meu cigarro. Se escapar dessa, escrevo um soneto.


Rio de Janeiro, 07 de abril de 1952

Levo Virgínia pela primeira vez à Vogue. Secretária da Gastal, verdadeiro achado meu, a morena fica encantada. Antônio Maria não menos. O Gordo me cumprimenta, num misto de camaradagem e inveja. Antônio parece estar em pior forma do que eu. Continuamos fiéis ao juramento solene, feito junto com o Vinicius, diante de uns velhotes patéticos que faziam ginástica na praia: nunca, jamais faríamos qualquer exercício (e ainda gritamos “Canalhas! Canalhas!”). Evidentemente Virgínia não se inclui nesta vedação.

A pequena acha que o pau dos homens é duro toda vida. Tirou essa conclusão por experiência própria, de todos os sujeitos que já chegaram perto dela o bastante para conversar, ou para dançar, ou coisa pior.

Quem sou eu para abalar suas convicções?


 

1 Comments:

  • At 8:48 PM, Anonymous Anônimo said…

    I'm impressed with your site, very nice graphics!
    »

     

Postar um comentário

<< Home