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08 outubro, 2005

A Recusa dos Carniceiros
Por irmão Paulo



É título de delicioso conto de época do mestre Rubem Fonseca que faz piada - tristemente atual - de episódio histórico da maior relevância, na época.

Ocorre que, por razões diversas, foram rareando aqueles que topavam servir ao Estado na função de carrasco. Lá pelas tantas, um carrasco iniciante recusou-se a enforcar um militar indisciplinado tendo o ‘prestadio juiz’, nos termos da época, determinado que um carniceiro o fizesse. Por executar bem sua tarefa, na oportunidade seguinte, outro açougueiro foi requisitado para o serviço, até que a classe, unida, fechou as portas a uma nova convocação e a pena de morte viu-se na iminência de inaplicabilidade por falta de executores.

O último enforcamento no Brasil foi a cara de tudo que se faz aqui. Quando o carrasco notou que o pescoço do réu não quebrara, pulou-lhe com os pés aos ombros e pôs-se a balançar como um pêndulo, não conseguindo com isso nada além de quebrar a coluna de sustentação da forca. O último enforcamento no Brasil, assim, teve de ser concluído com a misericordiosa ordem do juiz municipal para que se justiçasse o infeliz condemnado enchendo-lhe a boca com terra. O que foi feito, humanamente.

Ante a greve dos médicos em Manaus, ou no Amazonas, se é que há algum desses verdugos brancos que topam ir para o interior (mesmo a 5.000 mensais com casa, comida e roupa lavada), tendo visitado os matadouros privados e públicos desta cidade e constatado que os médicos são os carrascos da atualidade, proponho a histórica convocação dos açougueiros disponíveis para substituírem os médicos grevistas. Certamente, homens do povo que são, tratarão os pacientes com mais humanidade que os doutores salinos.

Para que não seja acusado de parcialidade, deixo como sugestão aos médicos que adjetivem a greve. Ao invés de pararem apenas de trabalhar parem também de comer, inaugurando uma nova modalidade de greve-de-fome-trabalhista. Deu certo com o padre de Cabrobó, pode ser que dê certo por aqui.

De minha parte, tendo acompanhado a psique pública do Governador e do Prefeito, creio que o primeiro pensará 'que morram' e o segundo, quando pensar em algo, a greve já terá sido desfeita. A eleição do Mané Portuga consolida Manaus como definitivamente entrada no rol das cidades que votam mal, na legítima companhia de São Paulo e Noviórque.

Para ações radicais é bastante pedagógico, até salutar, que se tenham respostas radicais. Lembrando que médico é como sal, branco, barato e tem em qualquer esquina, proponho que um deputado macho, no estilo Carrel Benevides ou Roberto Jansen, faça aprovar lei que obrigue cada médico a enterrar o doente que deixou morrer por conta dessa greve estúpida e incompatível com o exercício da profissão a que se habilitaram. Que as exéquias sejam celebradas em cortejo fúnebre e que o defunto seja carregado pelo assassino e seus familiares.

Que voltem ao trabalho nos postos públicos que ocupam, os infames grevistas, ou sustentem-se na iniciativa privada - que não admite bico nem enrolação. Ou que façam greve-de-fome-trabalhista, dando-nos a esperança de que possamos ficar livres de alguns deles. Mas, sobretudo, que ante o sistema espertíssimo e mafiosíssimo das cooperativas médicas – nas mãos das quais Capiroto Mendes jogou o sistema de saúde do Amazonas, tenhamos todos a certeza de que a greve é injusta, movida exclusivamente pela cupidez dos colegas de hipócrates. Com trocadilho e tudo.