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09 junho, 2005

De Gargantas e Bocetas
Por Fran Pacheco

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Linda & Louise prontas para abalar as estruturas do poder.

Pra início de conversa, ruborizadas senhorinhas, boceta vem do provençal boiseta e ainda conserva em Portugal e alhures o castiço significado de “caixinha” – mormente aquela que se usa para cheirar rapé. Mas ninguém aqui cogita de fungar o rapé da boceta de ninguém, embora o assunto em tela seja sacanagem – sem se recorrer ao humor fácil (ou de vida fácil?).

Foi a mitológica, arquetípica e criada do barro Pandora (“a mulher de todos os dons”), em tempos imemoriais, habitados por gregos, quem primeiro abriu sua caixinha de maldades, liberando todas as desgraças do mundo. Deu no que deu. A “Boceta de Pandora” tantas fez que caiu na boca do povo, na peça de Wedekind, na ópera de Berg e na tela do cinema, em diversas encarnações, sendo a de Pabst (estrelada por Louise Brooks e seu inesquecível channel) até hoje a versão standard no inconsciente coletivo cinéfilo.

Do cinema veio outro mito que paira sobre o cenário político atual: a “Garganta Profunda”. Como sabem as calejadas mãos dos scholars da ars pornographica, a angelical Garganta (encarnada pela desinibida Linda Lovelace no clássico de 1972), certa feita descobriu que tinha o clitóris no lugar da úvula (aquele pinguelo nas entrada da garganta). Nota pertinente: que fique estabelecido d’uma vez por todas que é clitóris e não clítoris. Independente do tamanho.

A descoberta da mutação marota fez com que La Lovelace colocasse a boca no mundo (ou todo mundo na boca, melhor dizendo), inspirando os jornalistas do NYT, Bob Redford e o pequeno Dustin Hofmann (vulgo Tootsie) a batizarem seu alcagüete de Garganta Profunda, no escândalo sexual conhecido como “Todos os Homens do Presidente”. (O absinto bateu. Faço as correções factuais outro dia.)

Trazendo a mitologia greco-noviorquina para o lado de cá do Equador, fica evidente que a Pátria deve muito aos e às Gargantas. Seja o irmão aluado que num surto contou tudo sobre o presidente collorido; o motorista que expôs as misteriosas idas e vindas na Casa da Dinda; o alto funcionário tarado - preso por matar a esposa - que entregou os Anões do Orçamento; a ex-mulher rancorosa que passou o serviço sobre o prefeito Pitta, ou o ex-genro que revelou a todos as milionárias peripécias do Juiz Lalau. Um panteão de tipos díspares, abarcando todo o espectro do caráter humano.

O problema é que essa é uma profissão de risco e sem estímulo – exceto uns tapinhas nas costas, se o Garganta tiver sorte. Mais provável é ter a goela cortada. Vejam nosso último e lapidar exemplo. Em vez de investigar o esquema de corrupção nos Correios, o que a polícia fez? Empenhou toda sua inteligência(?) para caçar e prender o quarteto que filmou e divulgou o vídeo do funcionário recebendo propina e explicando os detalhes do grande esquema do PTB. Importante: o funcionário não foi preso.

Depois dessa, que estímulo terão os futuros Gargantas, para filmarem as negociatas com suas maravilhosas micro-câmeras? Práticas como essa não devem ser combatidas, devem ser estimuladas. Do contrário, a corrupção continuará rolando, de qualquer forma, e sem qualquer registro histórico. Melhor que tudo seja cuidadosamente gravado, por quem dá e por quem recebe – e que mais cedo ou mais tarde, durante alguma divergência, uns divulguem as imagens contra os outros e se comam vivos.

Somente com muita prática os meros Gargantas serão promovidos a Pandoras, com suas caixinhas de maldades abarrotadas de fitas VHS, cassetes de ligações grampeadas, memorandos comprometedores, comprovantes de tranferências, depósitos e aberturas de contas no estrangeiro, e o filé-mignon, os robustos dossiês contra seus pares. Quanto maior a little box, maior o estrago.

Roberto Vermeson é a Pandora do ano. Será que, quando sua garganta funcionar (ele anda se aquecendo, cantando “Com Ti Partirei”) baixaremos mais fundo rumo à infâmia absoluta? Já baixamos, senhores. Só não sabemos quantos andares. Saberemos quando, em plena audiência pública, Robertão abrir a boceta.

***

P.S. Tanto Linda como Louise já deixaram o mundo fenomênico para trás. Sorte a minha. Com licença, que eu vou cheirar rapé.