Image hosting by Photobucket

10 maio, 2005

Música Gravada - O Começo III
Por irmão Paulo

(...Entretanto, nem as conferências, nem Rodder e, muito menos, o Comendador podem ser considerados como os introdutores do fonógrafo no Brasil. Tal título cabe a Fred. Figner.)


Em 1892, a capital da recém-proclamada República era uma cidade infecta. Os ventos Republicanos, que varreram a família real do mapa brasileiro, continuavam dispersando os mesmos odores nauseabundos do império e o Rio de Janeiro cheirava a excremento e urina. Os surtos de febre amarela, trazidos pelas chuvas de março, que 80 anos depois inspirariam Tom Jobim, tornaram endêmicos a partir de 1850 e a Varíola, que vitimaria Pixinguinha em alguns anos, era um flagelo público. Foi esse o Rio de Janeiro encontrado pelo caixeiro americano.

Alguns meses após chegar, tendo tido algum sucesso na divulgação do fonógrafo em uma porta da Galeria Mocanda, na onipresente rua do Ouvidor, num "estabelecimento elegantíssimo”, com medo da febre amarela, Figner partiu para uma viagem de vários meses. No insalubre Rio de Janeiro, como faziam ano após ano, desde 1850, fiéis foram às ruas para pedir proteção Divina contra a febre amarela. Saiam das igrejas, em procissões noturnas, para pedir a Deus que os protegesse do mal. De quando em vez elas paravam e, de um púlpito portátil, falava o padre à luz dos archotes e das velas. Um espetáculo, antes de tudo, atrasado e deplorável.

De volta, em 1893, Figner encontrou o Rio de Janeiro imerso na Revolta da Armada. Partiu novamente. Desta vez para Cascadura, findando por embarcar para a Europa e Estados Unidos, onde inacreditavelmente contracena com personagens e fatos históricos, o que confere a essa parte do relato de sua vida um quê de Fileas Fogg. Em Milão, segundo seu manuscrito autobiográfico, conheceu a maestrina Ricci, professora de música em casa de quem participou de sarau e gravou cilindros com artistas do Teatro Alla Scala. “Um desses cilindros foi com a voz do barítono Blanchard. No dia seguinte, no hotel em que estava hospedado, viu entrar o compositor Giuseppe Verdi acompanhado do maestro Arrigo Boito. O gerente do hotel pediu a Figner que demonstrasse o fonógrafo ao compositor que, ainda não conhecendo a máquina falante, constatou surpreso: "Ma come? Ma come? Sono stati ieri sera nella casa de Ia Maestra Ricci e Blanchard trovandosi Ia ha cantato questo? Stupendo!"

Voltando da Europa, Figner passou pelos Estados Unidos onde, em março de 1894, visitou a Exposição de Chicago trazendo para o Brasil, e fazendo instalar em uma porta na rua do Ouvidor 6 kinetoscópios - uma caixa de madeira com uma manivela lateral, que movia um sistema de roldanas, com um filme ou série de fotografias seqüenciadas, que a tal velocidade, davam a ilusão de movimento a quem olhasse pelo visor. Ainda em 1894, volta aos Estados Unidos e vem a conhecer, em Nova lorque, um boneco que jogava damas, descrito como "a figura de um turco luxuosamente vestido com um turbante, numa bonita cabeça de cera", onde, dentro dele, sentava-se um homem. Figner adquiriu o boneco e contratou um marroquino de nome Ajeeb que jogava bem e com estatura ideal para a função.

Paralelamente a tais iniciativas e sucessos comerciais, Figner seguia com a divulgação do fonógrafo e com a gravação de cilindros para venda. Nesse ramo, aliás, tinha como concorrente um português de nome Martins, da Ao Bogary. Chegaram ao Brasil os precursores da kuke-box da década de quarenta, imensos armários de madeira, com vários cilindros gravados dentro, e que, mediante a inserção de uma moeda que acionava o mecanismo, permitia ao ouvinte escolher um cilindro (música) que seria posto a tocar. Em pouco tempo essas máquinas foram colocadas em diversos pontos do Rio de Janeiro, inclusive em algumas paradas de espera de condução, para divertimento comum.

O negócio de gravação de cilindros prosperou, embora permanecesse restrito a certa escala de produção, por conta da fragilidade dos cilindros de cera. A introdução dos cilindros moldados deu dimensão ao mercado, tanto que a chegada do disco não o eliminou de vez, mas aos poucos, conforme fimou-se a tecnologia do gramophone. Em 1899, em sociedade com um inglês (sempre um inglês), Figner fundou o que denominava clubes do Gramophone, uma espécie de consórcio no qual o objetivo dos sócios era adquirir a máquina falante e de Figner, conforme relatou, robustecer seu capital a fim de dar o grande passo, a fundação da Casa Edison.