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13 maio, 2005

Agora é minha vez
Por Fran Pacheco

Quase todo blogueiro já recebeu uma corrente que anda rolando pela Rêde, com perguntas sobre livros. Eu estava crente de que não receberia nada, aqui tão longe, do outro lado do Estinge. E deveras não recebi, mas quem se importa? Antecipo-me e aí vão as perguntas devidamente respondidas, caso um dia as receba de fato:

1. Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?

Estar confinado numa fazenda em que as pessoas pensam que são livros? Eu tentaria fugir de qualquer maneira de lá. Imagine o suplício de viver ao lado de um sujeito que cisma em ser o “Benjamim”, do Chico Buarque, ou de um cara que recita sem parar “Marimbondos de Fogo”, do Sarney, ou qualquer coisa do Autran Dourado, Josué Montello, Affonso Romano de Santana, Fernanda Young, Marilena Chauí, Fernando Gabeira, Roberto Drummond, Patrícia Melo, Jô Soares, Tony Belotto, Fernando Bonassi, José Miguel Wisnik, Nelson Motta, Fernando Morais, Leonardo Boff, Frei Betto, Lair Ribeiro, Marco Maciel... Chega, chega! Azarado como eu (“um urubu pousou na minha sorte”), acabaria tendo como vizinho o catatau de 1.149 páginas (!) “Socialismo, uma Utopia Cristã” (!!), do Procurador da República Luís Francisco, o Anormal do Parquet (além de andar num Fusca 82, ganhando R$ 10 mil por mês, ele repete parágrafos, páginas inteiras, várias vezes no decorrer de sua cosmogonia).

Como ter descanso com a verborragia dos gêmeos briguentos “Guerra” e “Paz”, “Crime” e “Castigo”, “O Ser” e “O Nada”, dos flamenguistas “O Vermelho” e “O Negro”? Como suportar o pedantismo enciclopédico da “Brittanica”, sempre batendo boca com a “Larrousse”? Eu imploraria por conhecer “Lolita” e me apresentariam um russo baixinho e meio careca. E os sujeitos que pensam ser livros de poesia? Os líricos, vestidos de faunos e libélulas, os da marginália, queimando mato, os satíricos passando a mão na tua bunda. “Quem é aquele anão?”, “É um Haicai”. E os concretistas, entortando as articulações do corpo para reproduzir as travessuras logográficas dos Irmãos Campos? Não quero tomar parte nisso...

Mas, tudo bem, sejamos pragmáticos e menos ranzinzas. Como não haveria escapatória possível, eu seria “Fernão Capelo Gaivota”, para decorar fácil e ser muito requisitado pelas misses de plantão.

2. Já alguma vez ficaste perturbado/apanhado por uma personagem de ficção?

Quando eu era pequeno, bem pequerrucho, encontrei na escrivaninha de meu severo genitor, ao lado do açoite, uma luxuosa edição de um livro, acho que indiano, ricamente ilustrado, com muitas pessoas nos quartos, jardins e piscinas de um grande palácio, fazendo coisas muito esquisitas, todo mundo nu, mulheres brincando com a “pipoquinha” do Rajá, o Rajá brincando com doze súditas ao mesmo tempo, gente de cabeça(s) para baixo. Aquilo me marcou tanto que não consigo pronunciar o nome do livro. Que livro era aquele, mesmo? “Ganga Zumba”?

3. O último livro que compraste?

Nunca comprei livros, isso é coisa de burguês. Minha parada era ficar em pé, bem discreto, fazendo leitura dinâmica na banca ou na livraria, antes que um vendedor me importunasse. Foi nesse esquema que li os 7 volumes de “Em Busca do Tempo Perdido”, que acho ter alguma coisa a ver com a França.

Outros recursos úteis eram o escambo, a doação feita por amigos terminais e a expropriação, ainda que discreta. Nada pior do que livros mofando nas estantes da lúmpen-bourgeoisie. Os felizes proprietários de estantes de mogno abarrotadas fazem idéia do quão caro é um livro zero quilômetro? Acham que um pai de família proletário com várias bocas para alimentar pode se dar ao luxo de pagar 50 pilas em best-seller que vai passar no cinema por 10 mangos? Os sebos do país imploram por livros. E para os abastados que só compram livro zero-km, uma dica aritmética: só pague dez centavos por página. Mais do que isso é roubo.

4. Os últimos livros que leste?

Ah, meu filho, faz tanto tempo, Ruy Barbosa ainda estava apanhando na caligrafia. O Tronco do Ypê era uma modesta mudinha. Muita gente boa ainda estava para ser concebida em pecado. Acho que foi a 1ª edição de “A Evolução das Espécies”, que afanei numa tarde de autógrafos (tenho sérias refutações às idéias tresloucadas do sr. Darwin). Também recebi com entusiasmo um inquietante conto do Sr. Allan Poe, publicado no Graham’s Magazine, intitulado “The Murders in The Rue Morgue” – creio que a sacada do Sr. Poe, de conduzir-nos à solução de um crime, vai dar samba e iniciar um novo gênero literário.

5. Que livro estás a ler?

Uma batelada. Gosto de ler muitos livros ao mesmo tempo, espalhados pela mesa, passando de um para outro a esmo. O único problema é que tudo se mistura na minha cabeça e até hoje confundo Heidegger com Steinhegger. Por isso, agora me concentro num só tema de cada vez. Estou a ler “Ruminando o Código Da Vinci”,“A Volta do Código Da Vinci”, “O Filho do Código Da Vinci”, “O Irmão Mais Esperto do Código Da Vinci” e “O Código Da Vinci x Operação Cavalo de Tróia – não importa quem ganhe, você perde”.

6. Que livro levarias para uma ilha deserta?

Se considerarmos a coleção encadernada de Playboys dos anos 70, 80 e 90 como “livros”, e ficando restrito a um, eu bateria o martelo na “Anos 80” (a basta performance de Cláudia Oshana, digo, Ohana desequilibra qualquer disputa). Afinal, a ilha é deserta, mas o desejo infinito. Qualquer outra coisa, estilo “Manual do Escoteiro Mirim”, “Robinson Crusoé”, ou “Como Ser McGyver” me entediaria em cinco dias e eu me lançaria ao mar recitando a "Ode Naval".

7. Quatro pessoas a quem repassarás este testemunho e por quê?

Ao Irmão Paulo, que leu cinco quilômetros a mais de livros do que eu (e aproveitando que ele está em fase paz e amor). Ao desaparecido Cecezinho, outro erudito, para ele se mancar e voltar a elevar o nível desse terreiro. E ao Luís Inácio, se ele estiver no país, por mera curiosidade. Perdi a conta?