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22 março, 2005

Terminou?
Por irmão Paulo

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Aquele 1968 ficará pra sempre incompreensivelmente inacabado no imaginário das gerações que não o viveram e torturantemente elástico para os que estiveram no olho do furacão e dele não mais saíram, até os dias atuais? Puxando o cordão dos saudosistas lisérgicos, Nelson Mota e sua paradoxalmente charmosa incompreensão dos acontecimentos.

Fran tem feito um trabalho belíssimo aqui, com sua antologia da vaia. Ampliando seu escopo, seria possível escrever, evidentemente sem objetivo revisionista, a história brasileira através da música popular. Há registro sonoro dos cem últimos anos, fora partituras mais antigas. Por hora, na esteira dourada de Fran Pacheco, fiquemos nos 1968.

Naquele maio de 68, sem saber, Caetano Veloso e Costa e Silva resistiam, cada um à sua maneira, aos ventos da estudantada francesa. Enquanto o primeiro rejeitava a sugestão de seu empresário de fazer música com o bordão pintado em um muro parisiense – é proibido proibir, e estampado em reportagem da revista Manchete, o Marechal-Presidente dava declarações de que não permitiria que o Rio se transformasse numa nova Paris. Ambos, sem saber, contaminados por uma inércia que talvez fosse, agora é possível refletir em retrospecto, a calmaria que antecede as grandes tempestades.

Costa e Silva, por absoluta incapacidade de encontrar caminhos, aplicou à crise o “remédio da procrastinação”, deixando em relativa liberdade tanto as manifestações políticas e artísticas contra o regime quanto a criminalização e radicalização do pessoal dos porões. Isso de maio a meados de setembro, quando a violência oficial recrudesceu.

Sabe-se lá quantos dos filhos da puta que hoje mandam no Brasil estavam entre as faces túrgidas de ódio que levaram o Baihuno Caetano a vaticinar o já célebre “Se vocês forem em política como são em estética, estamos fritos.” Muitos, certamente.

Em outra ponta, ante a aparente inércia do representante da Revolução, Márcio Moreira Alves, jornalista e deputado, em inflamado e despercebido discurso perguntou-se, isso em meados de setembro, até quando o exército seria um valhacouto de torturadores. Insatisfeito, retornou à tribuna e, em um ataque de Lisístrata, em discurso ignóbil, concitou as mulheres a negarem as piriquitas aos militares brasileiros. O que, naturalmente, foi demais e levou o governo a pedir autorização formal para processá-lo. O que, num rasgo de virilidade nunca dantes ou depois visto, foi negado pelo Congresso. Era mais uma falseta insepulta que pregavam no regime e num Costa e Silva, àquela altura, já na tocaia.

Às dezessete horas do dia 13 de dezembro, Costa e Silva iniciou a reunião do Conselho de Segurança que, apenas com a discordância (encenada?) do vice-presidente da República, aprovou o texto do Ato Institucional número 5. Jarbas Passarinho, infame figura da República, acariciando os ovos presidenciais, manifestou-se em palavras que ficaram famosas: “sei que a Vossa Excelência repugna, como a mim e a todos os membros desse conselho, enveredar pelo caminho da ditadura pura e simples, Mas me parece claramente que é esta que está diante de nós. Às favas, senhor Presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência.”

Pelas contas de Elio Gaspari, durante a reunião, falou-se dezenove vezes nas virtudes da democracia e trezes vezes pronunciou-se pejorativamente a palavra ditadura. Na linguagem filistina dos ministros, diziam o que Caetano dizia, mas saíram da reunião proibindo tudo. Parece que muita coisa ainda está lá. Esperando para ser compreendida e então, finalmente, esquecida.