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21 março, 2005

Antologia da vaia (2)
Por Fran Pacheco

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“Vaia de bêbado não vale”. João Voz, Língua & Violão.


“Por favor, venha. Não me deixe só!”. Ao receber em Veneza esse telegrama desesperado de Tom Jobim, Chico Buarque achou que era brincadeira. Não era. Duas semanas depois de Caetano proferir seu inflamado discurso no TUCA, foi a hora e vez de Chico e Tom entrarem na roda e encararem a fúria estética popular, naquele 68 que não acabou. Sua composição Sabiá, uma releitura particular da Canção do Exílio caiu na antipatia dos porraloucas, que queriam a engajada e inevitavelmente datada Pra Não Dizer que Não Falei de Flores (a.k.a. Caminhando) de Geraldo Vandré, como a campeã daquele III FIC, o maior dos “festivaias”.

Nota: o próprio Vandré fora discretamente vaiado em sua primeira apresentação, cantando solo, acompanhado apenas de seu violão – um postura clean demais em comparação aos elaborados arranjos e acompanhamentos dos concorrentes. Mas logo a rapaziada entendeu o recado da canção e a elevou ao status de hino supremo contra a ditadura. Semanas depois a prisão de Vandré seria pedida.

A final Vandré Vs. Chico repetia a do II Festival da Record (66), quando Disparada empatou com A Banda. Desta vez porém, o júri se decidiu, para o bem ou para o mal, pelo lirismo considerado “alienado” (mas que, em verdade, se mostraria profético) do Bardo Fanho da MPB. Chico e Tom assistiram de camarote às meninas do Quarteto em Cy, suas intérpretes, serem soterradas pelas vaias do Maracanãzinho em fúria, quando os versos “vou voltar / sei que ainda vou voltar” desbancaram o “quem sabe faz a hora” das passeatas. Para quem viu e ouviu, foi “a maior vaia já sofrida por uma música em toda a história dos festivais”. Um estrondo ainda maior do que aquele que tirou Caetano do sério. Mas, desta vez, sem réplica ou discurso. Chico sempre foi um cara muito tímido.

A roda do tempo deu suas voltas, o eixo do mundo apontou para Aquarius, os hippies viraram yuppies e chegamos ao apocalíptico 1999. Lá estava Caetano, de novo no olho do furacão, servindo de valete de luxo à estrela da noite de inauguração do Credicard Hall: João Gilberto.

Perfeccionista ao extremo, a ponto de escolher o tipo de tapete pérsico adequado para acomodar seu mitológico banquinho e o modelo exato de microfone alemão para captar suas geniais salivadas, João Gilberto provavelmente não ensaiou nem passou o som para a abertura da autoproclamada maior casa de espetáculos da Latinoamérica. Mal sabia o que esperava. Enquanto a platéia de socialaites enchia a cara com prosecco, J. Gilberto iniciou a noite com aquele tradicional atraso de diva. Logo na primeira música, reclamou do eco e das rajadas de ar-condicionado. Caetano só fazia rir meio sem graça. Deve ter sacado que aquilo não ia dar certo.

A cada música, um novo muxoxo do Reinventor da MPB. O tormento do Pai da Bossa Nova começou a dar no saco dos VIPs. Até que o Gênio Desafinado, revoltado com a péssima acústica, saiu pra valer do tom e avisou que “se fosse um artista estrangeiro, processaria esta casa”. Nota: o cachê do Maior Baiano Vivo foi de US$ 60 mil. “Nunca mais piso aqui”, avisou. Ao fim do clássico “O Pato”, grasnou: “o pato sou eu”. A bourgeosie etílica ganhou coragem e começaram os apupos. “Vaia de bêbado não vale!”, rebateu o Mito, mostrando a língua. A coisa desandou completamente e Caetano, o Polemista de Santo Amaro, não resistiu a deixa: “Eu não ia falar nada, mas vou falar, sim!”, disparou o Mallarmé do Afoxé. E foi enfático: “as pessoas que vaiaram JÕAO GILBERTO não me são aceitas no coração!”. A platéia se dividiu entre os revoltados contra e os revoltados a favor. Um clima atávico de festival tomou conta do emplumado evento. Um show errado, no lugar errado, para a platéia errada, fazendo a História mais uma vez se repetir como farsa. Não foi o único.

(continua)