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18 março, 2005

Antologia da vaia (1)
Por Fran Pacheco

“Vocês não estão entendendo nada! Nada! Nada! Absolutamente nada!”, esgoelava-se Caetano, perguntando “tem som no microfone?”, enquanto o teatro da PUC quase vinha abaixo com a vaia épica, avassaladora. “Viva Cacilda Becker! Viva Cacilda Becker!”, berrou o tropicalista . Ninguém entendeu nada, nem parou pra pensar o que a Cacilda tinha a ver com aquilo. Puro nonsense. E Caetano avisou, atiçado pelos urros ensurdecedores, que não tinha mesmo “nada a ver com vocês!”. O fôlego da platéia era impressionante. A apresentação de É Proibido Proibir, (cujo refão era “é proibido proibir/é proibido proibir” - bis) naquela eliminatória do III Festival Internacional da Canção, degringolara de vez. “Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder?”, provocou o baiano, enquanto os sismógrafos iam à loucura com os apupos dos estudantes. “O problema é o seguinte! Vocês estão querendo policiar a música brasileira!” O desafio estava lançado, a verborragia descontrolada do baiano nervosinho contra os uivos tonitruantes do auditório em frenesi. “Eu quero dizer ao júri: me desclassifique! Eu não tenho nada a ver com isso! Nada a ver com isso! Gilberto Gil!” – o Gil, coitado, no canto dele, pensando em proteger a própria pele da turbamulta. E finalmente a sentença: “se vocês forem em política como são em estética, nós estamos feitos! O juri é muito simpático, mas incompetente!”

Esta assuada de 1968 tem lugar garantido em qualquer top five a respeito. Pelo menos foi a que rendeu um dos mais caudalosos entreveros da história (10 minutos de vaias e discurso delirante, pelas minhas contas). Pena (ou sorte?) que Veloso não tivesse por perto nenhum violão, como o que tinha às mãos Sérgio Ricardo, ao tentar interpretar Beto Bom de Bola, um ano antes. Caetano cansou de berrar e gritou “chega!”. Sérgio Ricardo, menos falastrão, cansou de ser vaiado e foi direto ao ponto.

Mal seu nome foi anunciado, os primeiros apupos foram ouvidos. O público simplesmente não gostava da música. O músico começou pedindo “calma”. Em vão. Primeiro desafinou, depois atravessou o ritmo, para delírio da choldra ululante. Sérgio parou a apresentação no meio e prometeu, com ar de escárnio, mudar o nome da música para “Beto Bom de Vaia”. A platéia enlouqueceu de vez. Até que o cantor entregou os pontos e partiu pro ataque: “Vocês ganharam! Vocês ganharam! Isso é o Brasil subdesenvolvido! Vocês são uns animais!” E despedaçou o violão num banquinho. A carcaça, atirou contra a choldra extasiada. E mais não disse. Foi desclassificado e saiu do festival para entrar na história.

Os registros não nos dão uma estimativa fiel da decibelagem da gritaria, portanto recorremos a Jorge Ben, que fala ex-cathedra, ao afirmar que recebeu uma das quatro maiores vaias da história do Maracanãzinho: “as outras foram Purpurina, Sabiá e Saveiros.”

O batismo de fogo de Jorge Ben, naquele FIC-68, no Rio de Janeiro, foi com Charles Anjo 45. A vaia histórica deu-lhe norotiedade e abriu caminho para o estouro do que hoje assina Benjor e seu Trio Mocotó.

O que prova que há vaias que vêm para o bem. Maior exemplo é Lucinha Lins. Seu martírio durou 15 infinitos minutos, com direito a apedrejamento com leque de papel. Daquele festival da Globo de 81, a maioria dos viventes só se lembra de Planeta Água do enjoativo Guilherme Arantes. Favorita absoluta do público, a música foi derrotada pela zebra Purpurina, na voz da desconhecida Lucinha (alguém se lembra?). A multidão se sentiu ultrajada, enganada, aviltada. Nunca se viu tamanha comoção, convertida numa cólera que podia ser ouvida do outro lado da baía da Guanabara. Lucinha saiu daquela catarse coletiva escoltada pelo Batalhão de Choque, com hematomas pelo corpo e semiconsciente. E ficou famosa da noite para o dia.

(continua)