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20 fevereiro, 2005

Na mesa com Arriá
Por Stella Maris - especial para o Club


Salada Grand Royal Transgênera, um dos pratos mais fartos da revolucionária cozinha de Arriá.


Arriá é o maior chef da atualidade. Chegar ao seu lendário restaurante El Buldogue Loco é uma aventura. A orientação precisa que recebemos em Barcelona foi a seguinte: "Dobrem à esquerda duas quadras depois da redação da Guacamole e depois à direita, na altura do Cochabamba. Tomem um ônibus para o aeroporto. Peguem o vôo para o Brasil. Chegando em Manaus ou Iquitos, tanto faz, perguntem."

Tínhamos que correr. O restaurante é exclusivíssimo. Só abre na época da cheia do Uraricoera, e em anos bissextos. E fecha para almoço. Em torno de 20 milhões de pessoas já fizeram reservas, até o ano 2127. Arriá nunca dá entrevistas, exceto quando as concede. Não se arvora o título de "Chef". Modesto, considera-se apenas "um gênio". Paul Bocuse, do L'Auberge du Pont de Colloges, Allain Ducasse, do Alain Ducasse, e outros tops do Guia de Pneus Michelin já foram enxotados do estabelecimento, ao tentar esconder empadinhas nos chapéus. Karl Lagerfeld também foi expulso do recinto, por abanar seu leque roxo durante a sobremesa. Arriá tem fobia de leques roxos.

Chegamos quase na hora de fechar, para desespero dos garçons. "Vão querer o quê?" perguntou o maître, com a cara fechada. "Comer", respondi. (O mau humor dos garçons do El Buldogue Loco é lendário e dizem fazer parte do espetáculo). O maître grunhiu alguma coisa e trinta minutos depois, com nossas gargantas ardendo de sede, nos serviram dois copos d'água. Quentes. "Tem vinho não?", perguntei. "Ainda não inventaram nada capaz de combinar com os pratos de Arriá, dona", resmungou. O garçon jogou em seguida a entrada em nossos pratos (o restaurante de Arriá não tem cardápio, apenas uma sequência de 30 pratos aleatórios). Parecia um grilo cristalizado, emitindo luzes néon e adornado por Geleca. Engolimos sem mastigar. Teve um efeito entre o estupefaciente o estuporante, com direito a flashback.

Adepto da nanotecnologia, Arriá concebe, com a ajuda de nerds, carnavalescos e especialistas em feng-shui, pratos (muito, muuito pequenos) que subvertem todos os conceitos da culinária terrestre. Musses com a consistência de concreto, churrasco gelatinoso e espaguete de chiclê figuram entre suas criações imortais. Imperdível é o pão que explode na boca, importado da Faixa de Gaza. Um prato que só se pode degustar uma vez na vida. Sua pièce de résistance é o croquete de frango que quando mordido canta Cucurrucucu Paloma, com a voz de Caetano Veloso.

Após a degustação, e loucos para encher urgentemente a pança com um X-Bauru, pedimos uma palavrinha com o Chef. Ele estava empanando um megatério, mas nos recebeu gentilmente. Embora autoproclamado catalão, o sotaque de Arriá não deixa dúvidas quanto à sua origem: Mossoró. Sua primeira declaração foi "oxente, já pagaram la cuenta?" Expliquei polidamente que quem tinha que pagar alguma coisa era ele, Arriá, pelo jabaculê de divulgarmos a biboca dele no nosso informativo. Escapamos por pouco do terçado samurai do cozinheiro. Na fuga, ainda gritamos em coro, à distância, o verdadeiro apelido de Arriá: calango vesgo. Pudemos ouvir, bem de longe, o cabra se esgoelando de ódio. Porque - e essa verdade é cristalina - nordestino não gosta de ser apelidado.

Cotação: passável