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24 janeiro, 2005

Viver é muito, muito perigoso
Por Fran Pacheco

"Meu reino por uma bolha!"

"Caro amigo aí fora,

O mundo anda cheio de armadilhas. Depois daquela onda toda na Ásia, você acha que eu ainda colocaria os pés lá? Nem na Europa, filho. Além do Velho Mundo ter vulcões em plena atividade, geadas glaciais, avalanchas, terrorismo basco, irlandês, argelino e descarrilamentos de trem-bala, vez por outra explode uma Guerra Mundial por lá.

Ir aos Estados Unidos, então? Pra estar bem no meio do alvo, quando a Al-Caída aprontar de novo? Quando o próximo terremoto ou furacão varrer tudo? Quando mais um executivo demitido sair atirando em todo mundo na rua?

Fico mesmo no meu Brasil, e bem longe do litoral, porque já disseram que uma erupção nos Açores acabaria com toda a nossa costa. Não passo nem perto das grandes metrópoles, quanto mais longe eu estiver dos arrastões, enchentes, desabamentos, fugas de presos e sequestros-relâmpago, melhor.

Pra falar a verdade, prefiro nem sair da minha pequena cidade. Viajar pra quê? A quantidade de avião que cai por aí não está no gibi. Ir de navio, então? Depois do que aconteceu com o Titanic? E isso porque ele era "inafundável". Pegar estrada, de carro ou num ônibus? Com essas rodovias escuras, chuvosas e esburacadas, cheias de loucos na contra-mão? Melhor ficar por aqui, mas desde que seja no meu bairro. Os subúrbios estão tomados pelos hunos. O Centro está repleto de psicopatas que te matariam por um relógio velho. Meu bairro é mais pacato, aqui não morre tanta gente assim. Só teria que evitar ir à feira, tomar um caldo de cana estragado. Supermercados, com seus produtos transgênicos e cancerígenos, são menos confiáveis ainda. Sei que em cada restaurante a Salmonela está à minha espreita.

O grande risco, na verdade, seria eu atravessar a rua. Alguém confia na faixa de pedestre, no semáforo? Eu não. Prefiro ficar no meu quateirão. Só que mesmo na calçada um motorista fazendo "pega" me pegaria. Melhor não ir além do pátio e ficar na cadeira de balanço, vendo as pessoas se arriscarem à toa lá fora. Mas isso ainda me deixaria exposto às balas perdidas. Vez ou outra, ouço dizer, cai alguém na rua, sem mais nem menos, com um tirambaço na testa.
Melhor mesmo é não sair de dentro de casa, fechar as janelas e lamber as maçanetas para ter certeza de que tranquei tudo. E espalhar alarmes e detectores de fumaça por todos os cantos. Desligar o gás, também - um vazamento seria fatal. Ligar a televisão? Desde que os japinhas tiveram convulsões assistindo um desenho animado, é melhor evitar tanta luz no rosto. Atender o telefone? Pra receber uma notícia bombástica e ter um troço? Ou pior, ser eletrocutado pela orelha, como vive acontecendo? Levantar da cama? Pra escorregar no assoalho, perder os movimentos e agonizar durante dias? Melhor ficar quieto. Com bastante repelente no corpo e espessos mosquiteiros ao redor do leito. Se Alexandre, o Grande, morreu de uma picada de inseto, quem sou eu para encará-los de frente? O negócio é ficar alerta. E, não menos importante: evitar dormir. E se eu não acordasse?

É, amizade, viver é perigoso além da conta. E não venha me falar que tudo isso é muito difícil de acontecer. Vá dizer pro acertador da Loto que ele só tinha uma chance em 100 milhões de ganhar. Ele vai rir da tua cara. Como eu estou rindo agora, sem dentes (o flúor só pode dar câncer) na segurança do meu leito.

Quer curtir a vida aí fora, amigo imprudente? Lembre-se: ela ainda vai te matar. Reserva um lugar para mim no teu velório. Adeus."

No dia seguinte, um avião cargueiro desabou sobre a casa do remetente. Só os pilotos escaparam.