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04 dezembro, 2004

O FANTÁSTICO FESTIVAL DE CINEMA
Por irmão Paulo

Como divulgado às fartas no Diário Oficial, de reduzida circulação mas onde se encontram as verdadeiras notícias, o Secretário de Cultura permaneceu os últimos meses de férias. Dizem que colaborando na campanha do Sr. Abelha. É um direito que lhe cabe e um privilégio que, se concedido mesmo, foi lastreado nos resultados por ele obtidos. Nunca ninguém realizou o que ele realizou, motivo pelo qual é um divisor de águas. Dito isto, ao malho. Construtivo.

De férias, pelo que se sente, deixou em seu lugar uma trupe de profissionais que foram devidamente engabelados pelos franceses. Aliás, os franceses gostam de sair por aí aplicando em países subdesenvolvidos, fizeram isso durante anos na África, Ásia e mesmo América. Os franceses são foda. A empresa promotora, executora ou sei lá o quê do Festival, parece ter mantido tudo em segredo, revelando ao final que não viria nenhuma estrela de primeira grandeza. Imeditamente, ao menos foi o que pareceu, foi concebido um plano B, e o fato de não vir nenhum artista de porte, só craques de bastidores, foi focado como uma característica do evento, uma saída inteligente – capitalizar o fracasso com o argumento de que tudo foi planejado assim. Se os franceses são foda, no mau sentido, diria que Robério é mais phoda ainda, num raro elogio que faço.

Faltou Herzog, faltou Cláudia Cardinale (que tem doces lembranças daqui), faltou Sean Connery, Natassia representando o pai, faltaram muitos. Assim, os franceses tornaram a lista de ausentes o documento mais importante da iniciativa, passando recibo de que talvez não apenas o Brasil não seja sério.

O Festival ficou reduzido ao segundo escalão das novelas da Rede Globo – Quinto Escalão em termos de cinema internacional - e à presença do Comendador Barreto (que, por sinal, conhecedor do caminho das pedras, já deve ter farejado cheiro de reais por estas plagas). Comendador Barreto conhece toda arte refinada de fazer filmes furrecas com dinheiro público. Teve também a presença do diretor de “A Missão”, um chatíssimo filme com Robert de Niro e depois mais artistas globais.

Estive presente à Noite de Abertura, ao lado de todos aqueles fantasmas penados (presos ao início do século passado) apavorados com a tela de cinema. Ao lado disso, acompanhei a transmissão pela televisão. Com um pouco de treino é possível estar em mais de um lugar ao mesmo tempo – expandido (mas isso é assunto para outro momento). Pra variar, a melhor coisa da noite foi a apresentadora – Daniela Assayag, com um vestido cuja alcinha deixava ver a tão procurada marca do biquíni, caindo pelo belo e pré-renascentista corpo, aliados àquele irônico e enigmático sorriso, que se abria cada vez que o outro apresentador (pedante como sempre) pronunciava nomes de artistas brasileiros enrolando o erre: Kadiú Móliterrniu. Daniela, ah Daniela, se morto eu não fosse tu te verias envolta em minha corte irresistível. Daniela é uma fera indômita em busca de arreios. Já falei a vocês de como foi mágica a cena daquela linda mulher cavalgando um boto no meio da Arena do Festival Folclórico?

A tradução, feita por uma velha senhora (além dos franceses, ninguém que tenha se educado após a II Guerra fala francês no Brasil), foi correta. Concluída a cerimônia, feita a foto oficial ao irônico fundo musical de Porto de Lenha, foi iniciada a inacreditável exibição de uma continuação bosta de um filme bosta. Mas, waal, o cinema só pode existir como arte (mesmo que em raros momentos) por conta da grande quantidade de bosta vendável. Então, um viva à Tainá 2!

Saí voando (literalmente) para assistir No Paiz das Amazonas, mesmo com pianista de cocar, a visão daquelas brumas me emociona. De repente, não mais que de repente, deparo com meu amigo Fran Pacheco, em seu médium, cercado de mulheres, e já meio inebriado com o pó das mariposas da noite. Imagino a farra que depois se deu. Não sei o porquê, mas não funcionou pra mim aquela exibição conspícua, seja qual for a justificativa sócio-cultural apresentada. Mandei-me. Talvez por me ter visto por lá é que Fran cobre estas mal traçadas, que dou a público a contragosto e a destempo. Estava preparando um ensaio sobre um peixinho curioso aqui da Amazônia, o candiru, mas interrompo para atender ao Fran.

O Secretário da Cultura tem mesmo a bunda virada pra lua. Algo que tinha tudo para ser um fracasso retumbante, conseguiu ser transformado em algo de avaliação complexa e imprecisa. Marcaram o Festival na mesma época do Festival de Brasília (coisa dos gringos, certamente), escolheram um segmento da ficção onde não acontece nada de novo desde que Fileas Fog concluiu sua volta ao mundo e fundou a National Geographic Society. Não conseguiram sensibilizar os astros mundiais para dar glamour ao festival, nem selecionar filmes de gente grande. E pra completar, o filme ganhador não tem nada de aventuresco. Mas os artistas globais vieram, para a patuléia não há diferença entre Cristiane Torloni e Demi Moore, Gianechini e Tom Cruise. São todos a mesma coisa – celebridades tipo genérico. Pra mim, tudo a mesma merda. Ainda assim, tem gente que achou um milagre ter sido feito um festival com tal porte com apenas 4 milhões. Oriundos de recursos privados.

O nosso deveria ter sido um Festival de “Cinema de Arte”, entre aspas mesmo, cabendo nesse balaio grande os gêneros clássicos – Drama e Comédia –, além daqueles filmes inclassificáveis mas bons e, ainda, tendo justificativa de sobra para a falta de grandes astros. Fazendo um festival cabeça, com condições de fomentar ainda mais o intercâmbio profissional e a capacitação dos artistas locais, correríamos o risco de, talvez, ter gente boa por aqui: Almodóvar, Werner Herzog, Woody Allen (quem sabe), Costa-Gavras, Milos Forman, Polanski, Robert Altman, Terry Gilliam para ficar em alguns diretores. E até mesmos atores do porte de Omar Shariff (de volta agora), Claudia Cardinale, Sophia Loren - porque não?, Jeanne Moreau, Fernanda Montenegro, Leonardo Villar, a Juliette Binoche, o próprio Gérard Depardieu, Isabelle Adjani, o estupendo Jean Reno etc. Eis a diferença.

Ao franceses deram com os burros n’água, se dependesse de mim, não voltariam mais aqui. Reavaliaria esse conceito de Mundial de filme de Aventura, essa tentativa de reproduzir o glamour de outros cantos do mundo, que não combina com o Brasil, onde até para eleição de entidade de classe a turma faz o maior carnaval. Porto de Lenha, como vaticinou a música de Torrinho (no fundo da foto oficial), tu nunca serás Liverpool.

Nem Cannes.