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15 novembro, 2004

Dedos de Borboleta
Por irmão Paulo

Carmem Miranda não foi apenas a primeira (e talvez a única verdadeiramente) artista brasileira a atingir o estrelato mundial inquestionável. De Pequena Notável à Brazilian Bombshell, essa portuguesa de Marco de Canaveses, levou a música popular brasileira – o Samba – aos píncaros da glória, como diz a letra-drama de Vicente Celestino. Mas sua persona artística abaianada, com a qual conquistou o mundo, parece o menos importante aspecto de sua vida artística e, certamente, o menor de seus feitos.

Carmem Miranda não apenas, como se diz, traduziu o samba - música de negros, para uma audiência branca, mas criou o jeito brasileiro moderno de cantar, estabelecendo com sua afinação e irreverência vocais um novo padrão para as cantoras nacionais. Desbravadora, abriu caminhos, influenciou direta ou indiretamente tudo e todas que vieram depois dela. Por igual transformou em ouro comercial e artístico quase tudo que cantou. Músicas como Taí, Tico-Tico no Fubá e Mamãe Eu Quero Mamar fazem parte da memória nacional e da história do carnaval brasileiro, se me permitem a citação bastarda, por não lembrar mais a autoria.

Afora a faceta carnavalesca, tem mais, Na Baixa do Sapateiro, No Tabuleiro da Baiana, O que é que a Baiana Tem?, Cantoras do Rádio, Balancê, Camisa Listrada, Recenseamento, E o Mundo não Se Acabou, Tic-Tac do meu coração, Adeus Batucada, Chegou a Hora da Fogueira, Alô... Alô?, Isto é lá com Santo Antônio, Anoiteceu, Novo Amor, Gente Bamba, e muitas e muitas outras, resistiram ao teste do tempo, foram gravadas e regravadas por gente como Elis Regina, Gal Costa e Chico Buarque, sem, no entanto, superarem a gravação original, porque definitiva. Maria Alcina, Gal, Clara Nunes (na expressão corporal), Rita Lee e, em alguns momentos sublimes, Elis Regina são pura Carmem Miranda – seus trejeitos vocais, risadinhas, brejeirices. Sem ela, nada do que vivemos teria sido possível ou, pelo menos, tão fácil.

Gênio da raça, lançou moda e criou os tamancos plataforma – hoje sucesso mundial. Aurora Miranda, em depoimento emocionado, testemunhou a criação do adereço. Foram ambas ao sapateiro e Carmem pediu que fizesse um par de tamancos com solas inteiras. “Mas Dona Carmem”, teria argumentado o sapateiro, “esse tipo de sola só se faz para quem tem uma perna menor que a outra”. Do alto de seus 1,53m de altura, teria respondido a Pequena Notável, “Cale a boca e faça o qu’estou mandando”. Estava criado o tamanco Plataforma.

Carmem foi um fenômeno original, de puro talento e energia, aproveitado pela política da boa vizinhança, desenvolvida pelos Estados unidos da América, que a levou às telas de cinema. Utilizada pela máquina de propaganda de Getúlio, que seja. Mas Carmem foi mais, brigou contra o baixo-astral brasileiro e contra nossa constante crise de auto-estima. Enfrentou a indiferença popular, ao retornar (dita) americanizada e a consagração popular. Com o encantador sotaque português, a alegria sincera e dedos como borboletas voadoras (segundo a Revista Vogue), Carmem conquistou a América. Essa notável cantora, bailarina e atriz merece de nós mas que a lembrança da moça com bananas na cabeça, mas a reverência de mãe da música popular brasileira moderna.