Image hosting by Photobucket

22 agosto, 2004

A Travessia
Por irmão Paulo

Sem bulhufas pra fazer, resolvi aceitar a convocação especial feita pelo Azancoth, que amarelou, e tomar seu lugar neste lugar. Comecei estirpando a foto de uma chavasca cabeluda do ar. Não é digno que a escumalha que freqüenta essas bandas se deleite com as partes de uma senhora morta, mesmo pública. Aliás, tem muita gente publicando por aqui. As mulheres deveriam voltar a profissão original, a mais antiga. Ishtar dos mil véus, um catzo. Tentou despertar meu ectoplasma, mas minha virilidade etérea está cada vez mais ligada ao intelectual e a turca-velha pensa que ainda é viva. Teria vomitado se fosse possível. Mandei ataca-se o grego louco que circula por aqui de vestido branco - um fantasma clássico.

A morte não é como uma anestesia geral. Estava vivo e de repente continuava vivo, no sentido de consciente. Eu, particularmente, um pouco mais confuso do que o habitual. No dia da passagem, acordei por volta das 5h30, cumpri minha rotina de desjejum e leitura rápida dos jornais. Depois fui direto para o escritório montado no andar superior de meu apartamento dúplex. Comecei a sentir dores, dei um gemido e cai sobre o teclado de meu velho computador. Minha esposa chamou os paramédicos, correu para junto de mim, estava agoniada por minha aparente dificuldade em respirar. Mas a essa altura minha consciência já estava ao lado dela. O corpo tinha apenas reflexos orgânicos involuntários. Já um pedaço de carne de segunda. Me sentia bêbado, como nos tempos em que enxugava brincando uma garrafinha de Jack Daniel’s. Era a perturbação da morte. De resto, parecia que tinha tomado uma prise. No dia seguinte, o NYT noticiou minha morte numa nota de cinco linhas e a de um tal Chico Ciência num artigo de ½ página. Pfiu. Essa foi minha travessia: nem barqueiro e nem luz branca. Sou tecnicamente uma alma penada, como se dizia na minha infância.

A duras penas desloquei meu evanescente ectoplasma para Brasília, mas lá chegando deparei-me com uma choldra de fantasmas barra pesada e resolvi me retirar porque, waal, eles não precisam de mim. Então vim parar nessa cidade infeliz que é Manaus. Os amazonenses vivos migraram para outras regiões do país há muito tempo. Faz 7 anos que a cidade é governada por um nordéstinu. Basta. Mas qual a alternativa crível? Um português pateta e mais morto que eu? Ou alguém que tem a coragem de se auto-declarar comunista e aliançar com o Partido Liberal? Só rindo. Que inundem metade dessa região desgraçada e a outra metade mandem cercar. Não vai fazer falta.

Não relato fatos, explico-os. Reportar é fácil, jornalismo cultural são outros quinhentos. É o que sempre fiz e faço. Cheguei pra ficar, até quando agüentar. Vão à merda e quebrem uma perna. Deixo ficar a imagem do velho professor (interpretando Dr. Fausto), porque minha aparência atual não é das mais apresentáveis. Vou dar o fora.